DIREITO PROCESSUAL CIVIL – Classificação das Demandas quanto à Identificação: Autodeterminadas e Heterodeterminadas

A doutrina processual estabelece critério distintivo fundamental para identificação das demandas judiciais conforme a natureza do direito material subjacente, classificando-as em autodeterminadas e heterodeterminadas segundo a relevância dos fatos constitutivos para individualização da pretensão.


A teoria geral do processo civil reconhece a necessidade de classificar as demandas segundo o critério de identificação da causa de pedir, estabelecendo distinção fundamental entre demandas autodeterminadas e heterodeterminadas. Essa classificação relaciona-se intrinsecamente à natureza do direito material que fundamenta a pretensão deduzida em juízo, determinando os elementos necessários para individualizar cada ação e produzindo consequências processuais decisivas para institutos como litispendência e coisa julgada.

Demandas Autodeterminadas: Identificação pelo Fundamento Jurídico

As demandas autodeterminadas vinculam-se aos direitos absolutos, caracterizando-se pela possibilidade de identificação exclusivamente mediante o fundamento jurídico invocado. Nessa categoria, a exposição detalhada dos fatos constitutivos torna-se dispensável para individualizar a pretensão, pois o direito material possui natureza tal que somente pode existir uma única vez entre as mesmas partes.

A autodeterminação decorre diretamente da estrutura dos direitos absolutos, que são oponíveis contra todos (eficácia erga omnes) e dotados de unicidade. O exemplo paradigmático reside no direito de propriedade: entre determinado titular e específico bem existe apenas uma relação proprietária, independentemente do modo de aquisição originária ou derivada. Assim, a causa de pedir próxima, constituída pelo fundamento jurídico, permanece inalterada mesmo diante da variação da causa de pedir remota, formada pelos fatos constitutivos.

Ilustrativamente, a propriedade mantém identidade jurídica tanto quando originada por sucessão hereditária quanto por negócio jurídico oneroso ou usucapião. A modificação dos fatos geradores não altera o conteúdo do direito subjetivo invocado. Por conseguinte, verifica-se identidade de demandas quando coincide o fundamento jurídico, ainda que diferentes os fatos narrados. A litispendência ou coisa julgada impedem nova discussão judicial do mesmo direito de propriedade, independentemente da invocação de título aquisitivo diverso em ação posterior.

Demandas Heterodeterminadas: Identificação pelos Fatos Constitutivos

As demandas heterodeterminadas correspondem aos direitos relativos, exigindo para sua identificação não apenas o fundamento jurídico, mas também a descrição dos fatos constitutivos específicos. A complexidade fática dessas relações jurídicas obrigacionais impõe a necessária exposição pormenorizada da situação concreta geradora do direito.

A heterodeterminação deriva da natureza dos direitos relativos, que operam exclusivamente entre sujeitos determinados e são passíveis de multiplicidade. Entre as mesmas partes podem coexistir inúmeras relações obrigacionais com conteúdo jurídico idêntico, cada qual originada de fato constitutivo singular. Diferentemente do que ocorre nos direitos absolutos, o fato constitutivo específico integra essencialmente a relação jurídica obrigacional, atuando como elemento diferenciador necessário.

A modificação do fato gerador implica alteração da própria ação, pois cada situação fática determina obrigação de prestação distinta, ainda que o enquadramento jurídico formal seja semelhante. O sucesso da pretensão processual depende da caracterização detalhada dos fatos geradores do direito material. Duas obrigações de pagar quantia certa entre os mesmos sujeitos distinguem-se pelos fatos constitutivos: um contrato de mútuo celebrado em determinada data origina obrigação diversa daquela decorrente de contrato de compra e venda firmado em outra ocasião, sendo essencial essa diferenciação para evitar confusão entre demandas autônomas.

Como consequência processual, a variação de fatos constitutivos resulta em demanda diversa, afastando a configuração de litispendência ou coisa julgada entre ações fundadas em situações fáticas distintas, mesmo que juridicamente qualificadas de modo idêntico.

Repercussões Processuais da Classificação

A classificação das demandas em autodeterminadas e heterodeterminadas influencia diretamente institutos processuais fundamentais. A correta identificação da natureza da demanda determina a configuração ou não de litispendência, a extensão da coisa julgada e os limites objetivos da sentença.

Nas demandas autodeterminadas, a identidade jurídica prevalece sobre variações fáticas, de modo que a alteração dos fatos constitutivos não impede o reconhecimento de identidade entre ações que versem sobre o mesmo direito absoluto. Nas demandas heterodeterminadas, por sua vez, cada conjunto de fatos constitui pretensão autônoma, ainda que juridicamente análoga, exigindo-se a coincidência tanto do fundamento jurídico quanto dos fatos para caracterização de litispendência ou formação de coisa julgada sobre relação jurídica idêntica.

Todavia, a distinção não é aplicada, dado que adotamos a teoria da substancialização. É dado o fato jurígeno e o juiz decide, ao ser alegado um novo fato jurídico há uma nova causa de pedir, e, assim, nova ação.

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