DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – Agravamento de Penas e Medidas Protetivas nos Crimes contra a Dignidade Sexual de Vulneráveis (Lei nº 15.280/2025)

A Lei nº 15.280/2025 promoveu alterações no ordenamento jurídico brasileiro, aumentando as penas dos crimes contra a dignidade sexual de vulneráveis, instituindo medidas protetivas de urgência específicas e estabelecendo mecanismos de monitoração eletrônica para condenados, com vigência imediata a partir de 8 de dezembro de 2025.


A Lei nº 15.280, publicada em 5 de dezembro de 2025, representa um marco no endurecimento da resposta estatal aos crimes contra a dignidade sexual, especialmente quando praticados contra pessoas em situação de vulnerabilidade. A norma alterou simultaneamente o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execução Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, estabelecendo um sistema integrado de proteção às vítimas desses delitos.

Alterações no Código Penal: Agravamento das Penas

O legislador promoveu incremento nas sanções penais dos principais crimes contra a dignidade sexual de vulneráveis. O artigo 217-A do Código Penal, que tipifica o estupro de vulnerável, teve sua pena base elevada de reclusão de oito a quinze anos para reclusão de dez a dezoito anos, além de multa. Nos casos qualificados previstos no parágrafo terceiro, quando a conduta resulta em lesão corporal de natureza grave, a pena passou de reclusão de dez a vinte anos para reclusão de doze a vinte e quatro anos, com multa. A forma qualificada pelo resultado morte, prevista no parágrafo quarto, alcançou o patamar máximo de reclusão de vinte a quarenta anos, além de multa, configurando uma das sanções mais severas do ordenamento penal brasileiro.

O artigo 218 do Código Penal, que criminaliza a satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, teve sua pena aumentada para reclusão de seis a quatorze anos, com multa. O artigo 218-A, relativo ao favorecimento da prostituição ou exploração sexual de vulnerável, passou a prever reclusão de cinco a doze anos, além de multa. O favorecimento da prostituição ou exploração sexual de vulnerável mediante submissão, indução ou atração, tipificado no artigo 218-B, teve sua sanção elevada para reclusão de sete a dezesseis anos, com multa, sendo revogado seu parágrafo primeiro. Por fim, o artigo 218-C, que trata da divulgação de cena de sexo, pornografia ou estupro envolvendo vulnerável, passou a cominar pena de reclusão de quatro a dez anos, além de multa, quando o fato não constituir crime mais grave.

O Código Penal foi acrescido do artigo 338-A, que criminaliza especificamente o descumprimento de medidas protetivas de urgência. A norma estabelece que “descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência” constitui crime autônomo, punido com reclusão de dois a cinco anos, além de multa. O parágrafo primeiro esclarece que a configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas, consolidando o entendimento de que a natureza protetiva das medidas transcende a divisão de competências jurisdicionais. O parágrafo segundo determina que, na hipótese de prisão em flagrante por este delito, apenas a autoridade judicial pode conceder fiança, vedando a concessão de fiança pela autoridade policial. O parágrafo terceiro ressalva que a tipificação penal não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis, permitindo a cumulação com medidas de natureza cível ou administrativa.

Código de Processo Penal: Identificação Genética e Medidas Protetivas

O Código de Processo Penal foi alterado para incluir mecanismos de identificação genética e um sistema estruturado de medidas protetivas de urgência. O novo artigo 300-A estabelece que “o investigado por crimes contra a dignidade sexual, quando preso cautelarmente, e o condenado pelos mesmos crimes deverão ser submetidos obrigatoriamente à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional”. Esta disposição cria um banco de dados genéticos específico para autores de crimes sexuais, facilitando investigações futuras e a identificação de reincidência.

A lei instituiu o Título IX-A no Código de Processo Penal, denominado “Das Medidas Protetivas de Urgência”, inserindo os artigos 350-A e 350-B. O artigo 350-A determina que, constatada a existência de indícios da prática de crime contra a dignidade sexual, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao autor, em conjunto ou separadamente, diversas medidas protetivas de urgência. Entre elas estão a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente nos termos da Lei nº 10.826/2003; o afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima, se aplicável; a proibição de aproximação da vítima, de seus familiares e das testemunhas, fixando limite mínimo de distância; a proibição de contato com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; e a proibição de frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da vítima.

Adicionalmente, o dispositivo prevê a restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; a prestação de alimentos provisionais ou provisórios; o comparecimento do autor a programas de recuperação e reeducação; e o acompanhamento psicossocial do autor, por meio de atendimento individual ou em grupo de apoio. O parágrafo primeiro esclarece que as medidas referidas não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da vítima ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

O parágrafo segundo estabelece tratamento específico para agentes públicos que portem arma em razão de suas funções, determinando que o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do autor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso. O parágrafo terceiro autoriza o juiz a requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência.

Dispositivo de particular relevância é o parágrafo quinto do artigo 350-A, que estabelece que “nos casos previstos neste artigo, a medida protetiva de urgência será cumulada com a sujeição do autor a monitoração eletrônica, disponibilizando-se à vítima dispositivo de segurança que alerte sobre sua eventual aproximação”. Esta previsão institui um sistema integrado de proteção que combina a vedação de aproximação com tecnologia de monitoramento, permitindo à vítima conhecer em tempo real eventuais violações da medida protetiva.

O parágrafo sexto amplia significativamente o alcance das medidas protetivas ao determinar que “o disposto neste artigo aplica-se, ainda, aos crimes cuja vítima esteja em situação de vulnerabilidade, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiência ou incapazes, qualquer que seja o crime investigado”. Esta extensão significa que as medidas protetivas não se restringem aos crimes contra a dignidade sexual, mas a qualquer delito praticado contra vítimas vulneráveis, reconhecendo a necessidade de proteção ampliada a esse grupo.

O artigo 350-B acrescenta mais uma possibilidade protetiva ao estabelecer que “em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, a pedido da autoridade policial, do Ministério Público ou da vítima, o juiz poderá determinar a proibição do autor de exercer atividades que envolvam contato direto com pessoa em situação de vulnerabilidade, quando houver prova da existência do crime, indício suficiente de autoria e perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”. Esta medida visa impedir que o investigado ou réu continue tendo acesso a potenciais vítimas no exercício de atividades profissionais ou outras que envolvam contato com vulneráveis.

Lei de Execução Penal: Exame Criminológico e Monitoração Eletrônica

A Lei de Execução Penal foi alterada para estabelecer requisitos mais rigorosos para a progressão de regime e concessão de benefícios a condenados por crimes contra a dignidade sexual. O novo artigo 119-A determina que “o condenado por crimes contra a dignidade sexual somente ingressará em regime mais benéfico de cumprimento de pena ou perceberá benefício penal que autorize a saída do estabelecimento se os resultados do exame criminológico afirmarem a existência de indícios de que não voltará a cometer crimes da mesma natureza”. Esta exigência supera o requisito meramente objetivo de cumprimento de fração de pena, condicionando o benefício à avaliação técnica sobre o risco de reincidência específica.

O artigo 146-E, com nova redação, estabelece que “o condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), ou por crimes contra a dignidade sexual, ao usufruir de qualquer benefício em que ocorra a sua saída de estabelecimento penal, será fiscalizado por meio de monitoração eletrônica”. A norma torna obrigatória a monitoração eletrônica para todos os benefícios que impliquem saída do estabelecimento prisional, incluindo regime semiaberto, trabalho externo, saída temporária e livramento condicional.

Estatuto da Criança e do Adolescente: Campanhas Educativas e Tratamento Psicológico

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi modificado para aprimorar os mecanismos de proteção e assistência a crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais. O artigo 70-A teve seu inciso II alterado para estabelecer “a integração com os órgãos de segurança pública, do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na promoção, na proteção e na defesa dos direitos da criança e do adolescente”, reforçando a necessidade de articulação interinstitucional.

O inciso IX do mesmo dispositivo passou a prever “a promoção e a realização de campanhas educativas direcionadas ao público escolar, a entidades esportivas, a unidades de saúde, a conselhos tutelares, a organizações da sociedade civil, a centros culturais, a associações comunitárias e outros espaços públicos de convivência e à sociedade em geral, bem como a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das crianças e dos adolescentes, incluídos os canais de denúncia existentes”. A amplitude dos destinatários das campanhas educativas revela a preocupação com a prevenção através da conscientização social.

O inciso V do artigo 101 foi reformulado para prever “requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, extensivo às famílias, se for o caso, especialmente em caso de vitimização em crime contra a dignidade sexual”. A ênfase na extensão do tratamento às famílias reconhece que a vitimização sexual de crianças e adolescentes afeta não apenas a vítima direta, mas todo o núcleo familiar, demandando intervenção terapêutica abrangente.

Estatuto da Pessoa com Deficiência: Atendimento Psicológico Especializado

O Estatuto da Pessoa com Deficiência foi ajustado para garantir “atendimento psicológico, inclusive para seus familiares e atendentes pessoais, especialmente em caso de vitimização em crime contra a dignidade sexual”, conforme a nova redação do inciso V do parágrafo quarto do artigo 18. A inclusão expressa dos atendentes pessoais no direito ao atendimento psicológico reconhece o papel desses profissionais na rede de apoio à pessoa com deficiência vítima de violência sexual e a necessidade de prepará-los para lidar adequadamente com as consequências do trauma.

Considerações Sobre a Aplicabilidade e Vigência

A Lei nº 15.280/2025 entrou em vigor na data de sua publicação, em 8 de dezembro de 2025, conforme estabelece seu artigo 7º. Suas disposições aplicam-se imediatamente aos processos em curso e às novas investigações, ressalvadas as garantias constitucionais da irretroatividade da lei penal mais gravosa e da aplicação retroativa da lei penal mais benéfica. As majorações de pena introduzidas não retroagem para beneficiar ou prejudicar situações já definitivamente julgadas, mas orientam a dosimetria das penas em condenações proferidas após a vigência da lei, mesmo que os fatos sejam anteriores, caso a nova lei seja mais favorável ao réu em algum aspecto específico.

As medidas protetivas de urgência instituídas pelo artigo 350-A do Código de Processo Penal podem ser aplicadas imediatamente a investigações e processos em curso, pois constituem medidas de natureza cautelar e protetiva, não sancionatória. A obrigatoriedade da monitoração eletrônica prevista no artigo 146-E da Lei de Execução Penal aplica-se aos benefícios concedidos após a vigência da lei, independentemente da data do crime ou da condenação. O requisito do exame criminológico estabelecido pelo artigo 119-A da mesma lei incide sobre pedidos de progressão e benefícios formulados após a entrada em vigor da norma, representando alteração procedimental que não viola direito adquirido.

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