DIREITO CIVIL – Regime Jurídico da Capacidade dos Povos Indígenas

Estatuto do Índio estabelece regime tutelar diferenciado para indígenas não integrados, com possibilidade de liberação mediante cumprimento de requisitos legais específicos cobrado na prova para Juiz Federal do TRF3


A legislação brasileira reconhece regime jurídico especial para os povos indígenas, considerando suas particularidades culturais e a necessidade de proteção diferenciada no ordenamento jurídico. A capacidade civil dos indígenas é regulada por legislação própria, que estabelece regras específicas para a validade de seus atos jurídicos, diferenciando-se do regime geral aplicável aos demais cidadãos.

O arcabouço normativo que rege a matéria é composto pela Lei nº 5.371/1967, que instituiu a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), e pela Lei nº 6.001/1973, conhecida como Estatuto do Índio. Este diploma legal estabelece que a tutela da capacidade indígena será restrita aos indígenas não integrados, conforme dispõe seu artigo 7º, admitindo-se que o indígena deixe o regime de tutela mediante declaração formal, a ser homologada judicialmente e inscrita no registro civil, o que o classificará na condição de integrado e apto a celebrar os atos da vida civil, desde que preenchidos os demais requisitos legais.

Para que o indígena obtenha sua liberação do regime tutelar, a Lei nº 6.001/1973 estabelece requisitos objetivos em seu artigo 9º, que dispõe: “Qualquer índio poderá requerer ao juiz competente a sua liberação do regime tutelar previsto nesta Lei, investindo-se na plenitude da capacidade civil, desde que preencha os requisitos seguintes: I – idade mínima de 21 anos; II – conhecimento da língua portuguesa; III – habilitação para o exercício de atividade útil, na comunhão nacional; IV – razoável compreensão dos usos e costumes da comunhão nacional.”

Preenchidas essas condições cumulativas, o órgão de assistência pode reconhecer ao indígena, mediante declaração formal, a condição de integrado, cessando toda restrição à capacidade civil, desde que tal declaração seja homologada judicialmente e inscrita no registro civil competente. Essa homologação judicial funciona como requisito de eficácia do ato de reconhecimento da integração.

O Estatuto do Índio prevê ainda a possibilidade de emancipação coletiva da comunidade indígena e de seus membros quanto ao regime tutelar, mediante decreto presidencial. Para tanto, é necessário o cumprimento dos requisitos estabelecidos no artigo 9º da Lei nº 6.001/1973, além de duas condições específicas: que a emancipação seja requerida pela maioria dos membros do grupo e que seja comprovada, em inquérito realizado pelo órgão federal competente, a plena integração da comunidade na comunhão nacional.

Quanto à validade dos atos jurídicos praticados por indígenas não integrados, o Estatuto estabelece regime de proteção rigoroso. O artigo 8º da Lei nº 6.001/1973 determina que “são nulos os atos praticados entre o índio não integrado e qualquer pessoa estranha à comunidade indígena quando não tenha havido assistência do órgão tutelar competente”. A nulidade é a regra geral, visando proteger o indígena não integrado de negócios jurídicos que possam ser prejudiciais ou dos quais não tenha plena compreensão.

Contudo, o parágrafo único do mesmo dispositivo estabelece importante exceção ao regime de nulidade: “Não se aplica a regra deste artigo no caso em que o índio revele consciência e conhecimento do ato praticado, desde que não lhe seja prejudicial, e da extensão dos seus efeitos.” Assim, o juiz pode, excepcionalmente, validar o ato quando comprovada a plena compreensão do indígena sobre o negócio jurídico e verificada a ausência de prejuízo, afastando a nulidade prevista no caput.

Em síntese, nos atos praticados entre índio não integrado e pessoa estranha à comunidade indígena, deve haver assistência do órgão tutelar competente sob pena de nulidade, exceto quando o indígena revele consciência e conhecimento do ato praticado e de sua extensão, desde que não lhe seja prejudicial.

Por fim, cabe destacar que, enquanto não integrados, não é obrigatória a inscrição do registro de nascimento do indígena no registro civil comum, podendo ser feito em livro próprio da FUNAI, o que demonstra a flexibilização de certas formalidades registrais em reconhecimento às especificidades dos povos indígenas.

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