O ordenamento jurídico brasileiro veda a revisão criminal pro societate, admitindo apenas a revisão pro reo, com exceção pontual para decisões obtidas mediante fraude processual ou práticas delituosas foi cobrada na prova para Procurador da República (MPF).
Conceito e Vedação da Revisão Criminal Pro Societate
A revisão criminal pro societate constitui instrumento processual voltado à impugnação de decisão absolutória ou extintiva de punibilidade transitada em julgado, com o objetivo de restabelecer a persecução penal contra o réu anteriormente beneficiado. O ordenamento jurídico brasileiro estabelece como regra a vedação absoluta deste instituto, sendo admitida apenas a revisão criminal pro reo, destinada a beneficiar o condenado.
A proibição da revisão pro societate decorre diretamente do princípio ne bis in idem processual, consagrado no artigo 8º, §4º, da Convenção Americana de Direitos Humanos, que estabelece: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”. Este dispositivo convencional foi incorporado ao ordenamento brasileiro com status supralegal, impedindo que o Estado promova nova persecução penal contra réu já absolvido definitivamente.
Identidade entre Ações Penais e Aplicação do Ne Bis In Idem
A identidade entre ações penais, requisito essencial para aplicação do ne bis in idem, verifica-se quando concorrem os mesmos elementos subjetivos e objetivos: identidade de réu e identidade de fatos imputados. Presentes estes elementos, configura-se a identidade processual que obsta a renovação da persecução penal.
A vedação à revisão pro societate mantém-se mesmo diante de circunstâncias que, em tese, justificariam a revisão da decisão absolutória. A superveniência de provas novas, ainda que inequivocamente demonstrem a autoria delitiva pelo absolvido, não autoriza a reabertura da persecução penal. Igualmente, a constatação de que a absolvição foi proferida por juízo absolutamente incompetente não afasta a imutabilidade da decisão transitada em julgado.
Exceção Jurisprudencial: Decisões Obtidas Mediante Fraude
O Supremo Tribunal Federal reconheceu exceção pontual à vedação da revisão pro societate nas hipóteses de decisões obtidas mediante fraude processual ou práticas delituosas. A orientação jurisprudencial admite a desconstituição de decisão extintiva de punibilidade fundada em certidão de óbito falsa, por ausência de coisa julgada em sentido estrito.
O fundamento desta exceção reside na inexistência de coisa julgada material quando a decisão resulta de conduta ilícita perpetrada pelo próprio beneficiado ou em seu favor. A jurisprudência considera que o sistema jurídico não pode conferir proteção definitiva a decisões viciadas por atos criminosos, sob pena de perpetuar situações fraudulentas e estimular práticas ilícitas destinadas a burlar a jurisdição penal.
A desconstituição de decisões fraudulentas não se vincula a procedimento específico, podendo ser realizada mediante qualquer instrumento processual adequado, desde que assegurados o contraditório e a ampla defesa. O que caracteriza esta exceção não é a forma procedimental adotada, mas a natureza viciada da decisão originária, obtida mediante fraude ou infração penal.
Hipóteses Excepcionais de Anulação
As hipóteses excepcionais de anulação de decisões favoráveis ao réu compreendem a extinção de punibilidade fundada em certidão de óbito falsa, absolvição obtida mediante grave ameaça contra terceiros, decisões resultantes de sequestro de vítimas ou testemunhas, e outros casos de fraude processual ou crimes praticados para obtenção do provimento judicial.
A exceção jurisprudencial não representa propriamente uma revisão pro societate, mas o reconhecimento da inexistência de coisa julgada válida nas situações de decisões radicalmente nulas por vício insanável. A anulabilidade fundamenta-se na preservação da integridade do sistema processual, impedindo que condutas ilícitas do réu ou praticadas em seu benefício consolidem situações jurídicas definitivas.
Verdade Material e Sistema da Livre Convicção Motivada
O processo penal brasileiro orienta-se pela busca da verdade material, formada a partir de elementos probatórios concretos e não por critérios meramente formais. O sistema da livre convicção motivada exige que o julgador fundamente suas decisões em provas efetivamente produzidas nos autos, materializadas no processo.
A ausência de impugnação dos fatos imputados não autoriza, por si só, a condenação no processo penal. Diferentemente do processo civil, onde a revelia produz presunção de veracidade dos fatos alegados, o sistema processual penal exige prova concreta da materialidade e autoria delitivas, independentemente da postura defensiva adotada pelo réu.
A vinculação do convencimento judicial à prova material impede que a verdade processual seja construída sobre presunções não comprovadas ou elementos não submetidos ao contraditório. O método material de formação da convicção judicial contrasta com sistemas que admitem critérios formais de verificação da verdade, exigindo sempre substrato probatório concreto para fundamentação das decisões condenatórias.

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