DIREITO PENAL – Normas Penais em Branco (invertida) – Modalidades Admissíveis

A doutrina e a jurisprudência majoritárias estabelecem critérios precisos para a validade das normas penais em branco, exigindo que o núcleo essencial da conduta criminalizada permaneça sempre definido em lei penal em sentido estrito, em conformidade com o princípio da legalidade.

A construção dogmática sobre as normas penais em branco parte de uma premissa fundamental: embora seja admissível que determinados elementos do tipo penal recebam complementação por outras fontes normativas, o núcleo da conduta criminalizada deve estar invariavelmente definido na própria lei penal. Trata-se de exigência que decorre diretamente do princípio constitucional da legalidade estrita em matéria penal, consagrado no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

Nas normas penais em branco propriamente ditas, a lei penal descreve o núcleo essencial do preceito primário do tipo incriminador, isto é, define a conduta proibida em seus elementos centrais, mas remete a complementação de certos aspectos acessórios a outras normas jurídicas. O exemplo paradigmático dessa estrutura normativa pode ser encontrado nos tipos penais que criminalizam condutas relacionadas a substâncias entorpecentes ou psicotrópicas. Nesses casos, os verbos nucleares que descrevem as ações proibidas – como transportar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo, fornecer, preparar, produzir e fabricar – encontram-se expressamente previstos na lei penal em sentido estrito. A complementação normativa necessária refere-se apenas à identificação das substâncias consideradas ilícitas, podendo essa lista ser estabelecida por portaria de órgão administrativo competente, sem que isso comprometa a constitucionalidade do tipo penal. O que a ordem jurídica exige é que os dezesseis verbos que delimitam as condutas criminalizadas estejam claramente positivados na legislação penal, resguardando-se assim o núcleo essencial do comando proibitivo, enquanto a mera especificação técnica das substâncias pode ser delegada a norma infralegal.

Situação distinta e mais restritiva apresenta-se quando se trata da norma penal em branco invertida, também denominada norma penal em branco ao avesso ou ao reverso. Nessa modalidade, a estrutura do tipo penal inverte a lógica tradicional: o preceito primário, que descreve a conduta proibida, encontra-se plenamente definido na lei penal, mas o preceito secundário, ou seja, a sanção penal aplicável, depende de complementação por outra norma. A doutrina e a jurisprudência são categóricas ao afirmar que a norma penal em branco invertida somente será constitucionalmente admissível se o complemento for homogêneo, isto é, se a norma complementar também possuir natureza de lei em sentido formal e estrito. Essa exigência decorre da impossibilidade de se atribuir a fontes normativas infralegais a fixação da pena aplicável a determinada conduta criminalizada, o que violaria frontalmente a reserva legal absoluta em matéria penal. Quando a conduta criminosa está inteiramente descrita no preceito primário do tipo penal incriminador, mas a pena aplicável carece de definição completa, torna-se imprescindível que esse complemento sancionatório provenha exclusivamente de outra lei em sentido estrito, preservando-se integralmente o princípio da legalidade. Afinal, a definição da resposta punitiva estatal a uma conduta criminalizada não pode ser estabelecida por fonte normativa hierarquicamente inferior à lei formal, sob pena de esvaziamento das garantias constitucionais fundamentais do cidadão frente ao poder punitivo estatal.

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