DIREITO PENAL – Origens Históricas do Encarceramento Moderno: Sistemas Institucionais de Controle Social nos Séculos XVI e XVII

A formação do sistema carcerário contemporâneo remonta a experiências institucionais desenvolvidas na Europa entre os séculos XVI e XVII, quando surgiram os primeiros modelos de confinamento destinados à disciplina e reforma dos internos, precedendo o sistema penitenciário clássico do século XIX.

O conhecimento foi exigido na prova para Defensor Público do Estado do Amazonas.

O sistema moderno de encarceramento não surgiu como construção repentina, mas como resultado de transformações socioeconômicas graduais que demandaram novas formas de controle social. Entre os séculos XVI e XVII, três modelos institucionais distintos desenvolveram-se na Europa, cada qual respondendo a necessidades específicas de suas sociedades: as casas de correção inglesas, as casas de trabalho holandesas e os hospitais gerais franceses.

As Houses of Correction Inglesas: Primeiro Modelo de Reclusão Disciplinar

O sistema inglês inaugurou o modelo institucionalizado de reclusão com finalidade disciplinar. Em 1553, a Coroa autorizou a utilização do Castelo de Bridewell para recolhimento de vadios e infratores, estabelecendo paradigma que rapidamente se disseminaria pelo território britânico. As casas de correção representam o primeiro tipo de instituição destinada à detenção sem finalidade de custódia cautelar, cuja função precípua era disciplinar e reformar os internos por meio do trabalho.

O modelo de Bridewell articulava dois objetivos centrais: punir pobres considerados desordeiros e abrigar menores abandonados nas ruas londrinas. O propósito fundamental consistia em disciplinar pessoas classificadas como desviantes ou ociosas mediante trabalho forçado e rigorosa disciplina. A reforma do recluso operaria através da imposição de rotinas laborais e controle comportamental, desestimulando a vadiagem.

A expansão dessas instituições acelerou-se no início do século XVII, com inauguração das casas de Middlesex e Westminster. O crescimento foi vertiginoso: na metade dos Seiscentos, múltiplas bridewells funcionavam por toda Inglaterra. Em 1670, estatuto específico regulamentou formalmente tais estabelecimentos, consolidando o sistema.

O modelo destinava-se à pequena delinquência. Infrações graves permaneciam sob jurisdição dos códigos penais tradicionais, que mantinham sanções pecuniárias, corporais e capitais. As bridewells ocupavam espaço intermediário entre assistência social e sistema punitivo, concentrando-se na correção comportamental através do labor.

As Casas de Trabalho Holandesas: Controle Social e Necessidades Demográficas

O modelo holandês surgiu em contexto distinto, motivado por declínio populacional significativo. A Holanda enfrentava paradoxo demográfico que ameaçava sua economia: redução populacional combinada com mão de obra excedente desempregada. Tal situação conduziu à reformulação dos sistemas punitivos, buscando minimizar desperdício de força laboral disponível.

O objetivo consistia em controlar e regular o aproveitamento dessa população economicamente marginalizada, transformando-a em recurso produtivo mediante confinamento disciplinado. As casas de trabalho holandesas não visavam primordialmente produção em larga escala de bens de consumo ou eficiência produtiva máxima. Funcionavam principalmente como instrumento de controle social, reordenando população considerada problemática e extraindo sua capacidade laboral sob supervisão institucional.

Os Hospitais Gerais Franceses: Reorganização da Assistência Social

O sistema francês de hospitalização geral desenvolveu características particulares que o diferenciavam dos modelos clássicos de cárcere desenvolvidos posteriormente no século XIX. Embora incorporasse elementos de correção moral, sua finalidade precípua era reorganizar e racionalizar a assistência social no território francês.

O enclausuramento praticado nos “hospitais” franceses não se configurava como antecedente direto nem exerceu influência determinante sobre o sistema carcerário clássico dos Oitocentos. Tratava-se de projeto administrativo de reorganização assistencial, com objetivos distintos das instituições penitenciárias subsequentes.

Características Comuns e Especificidades dos Sistemas

Os três modelos compartilhavam premissa fundamental: controle de populações marginalizadas através do confinamento institucional. Divergiam, contudo, em finalidades específicas e métodos operacionais. O sistema inglês priorizava disciplinamento comportamental de vadios e pequenos delinquentes mediante trabalho forçado. O modelo holandês respondia prioritariamente a necessidades econômicas de aproveitamento demográfico. O sistema francês concentrava-se na racionalização administrativa da assistência social.

Nenhum desses sistemas iniciais correspondia ao modelo penitenciário clássico desenvolvido no século XIX. Funcionavam como instituições híbridas entre assistência social, controle populacional e punição leve, preparando terreno para transformações posteriores que consolidariam o cárcere como instituição central dos sistemas penais modernos.

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