A teoria das ondas renovatórias de Mauro Cappelletti sistematiza as transformações históricas nos mecanismos de garantia do acesso à justiça, identificando três momentos evolutivos distintos nos sistemas processuais ocidentais, cada qual voltado à superação de obstáculos específicos que impediam a concretização desse direito fundamental.
Primeira Onda Renovatória: Gratuidade da Justiça
A primeira onda renovatória concentrou-se na superação dos obstáculos econômicos ao acesso à justiça. O problema central identificado residia na impossibilidade de pessoas em situação de hipossuficiência financeira arcarem com os custos do processo e com a contratação de profissionais da advocacia. A solução proposta envolveu a instituição de sistemas de assistência jurídica gratuita ou judiciária aos pobres, momento em que o Estado passa a assumir o papel de garantidor do acesso ao Poder Judiciário, proporcionando os meios necessários para que a pretensão jurisdicional seja apresentada independentemente da capacidade econômica do demandante.
A implementação dessa onda traduziu-se em diferentes modelos institucionais nos diversos países, abrangendo desde a advocacia privada remunerada pelo Estado até a criação de órgãos públicos especializados na defesa dos economicamente vulneráveis. O objetivo comum permanece a eliminação da barreira financeira como impedimento ao exercício do direito de ação, garantindo que a hipossuficiência econômica não se converta em obstáculo intransponível à tutela jurisdicional.
Segunda Onda Renovatória: Proteção Jurisdicional dos Direitos Metaindividuais
A segunda onda voltou-se à proteção jurisdicional dos direitos metaindividuais. O surgimento de conflitos envolvendo direitos difusos e coletivos nas áreas ambiental e consumerista evidenciou a inadequação dos institutos processuais tradicionais, construídos sobre a lógica individualista. A dificuldade reside na impossibilidade prática de todos os titulares dos direitos figurarem individualmente no polo ativo das demandas, exigindo que a natureza transindividual desses direitos seja tutelada por mecanismos de representação adequada, permitindo que a decisão judicial produza efeitos sobre toda a coletividade afetada.
A resposta a esse desafio materializou-se na criação de instrumentos processuais específicos e na legitimação de entes coletivos para atuarem como representantes dos interesses difusos e coletivos. O resultado do processo beneficia não apenas os que formalmente participaram da relação processual, mas todos os titulares do direito metaindividual objeto da tutela jurisdicional.
Os principais aspectos dessa onda incluem o reconhecimento da categoria dos direitos metaindividuais como objeto autônomo de tutela jurisdicional, a instituição de legitimados extraordinários para defesa de interesses que transcendem a esfera individual, o desenvolvimento de técnicas processuais específicas para tutela coletiva e a extensão subjetiva dos efeitos da coisa julgada para além das partes formais do processo.
Terceira Onda Renovatória: Transformação Participativa no Acesso à Justiça
A terceira onda propõe transformação mais abrangente na concepção do acesso à justiça. Supera-se a identificação entre acesso à justiça e mero acesso ao Poder Judiciário, reconhecendo-se que a solução jurisdicional tradicional não constitui necessariamente o método mais adequado para todos os conflitos. A premissa fundamental sustenta que diferentes tipos de litígios demandam métodos distintos de solução, de modo que a via judicial adjudicatória representa apenas uma das possibilidades de tratamento adequado dos conflitos, devendo conviver com mecanismos autocompositivos e outras formas de resolução de controvérsias.
As reformas propostas nesta onda abrangem múltiplas dimensões do sistema de justiça. Incluem alterações nos procedimentos judiciais, modificações na estrutura dos tribunais ou criação de novas instâncias, ampliação da participação de pessoas leigas tanto na função julgadora quanto na defensiva, transformações no direito material destinadas à prevenção de litígios ou facilitação de sua resolução, e incentivo à utilização de mecanismos privados ou informais de solução de conflitos.
Os métodos autocompositivos, particularmente a mediação e a conciliação, ganham destaque como alternativas efetivas para alcançar o acesso à justiça. A ênfase desloca-se da garantia formal de ingresso em juízo para a efetivação concreta dos direitos e a solução satisfatória dos litígios, independentemente do método empregado.
Os principais elementos caracterizadores desta onda compreendem o reconhecimento da diversidade de métodos adequados de solução de conflitos, a valorização da autocomposição como via legítima de pacificação social, as reformas estruturais nos sistemas de justiça para incorporação de múltiplas portas de acesso, a simplificação procedimental e desburocratização do acesso, e a ênfase na efetividade da tutela dos direitos sobre a forma de sua obtenção.
A terceira onda representa, portanto, mudança paradigmática na compreensão do que constitui o verdadeiro acesso à justiça, ampliando a perspectiva para além da dimensão estritamente jurisdicional e abraçando a pluralidade de vias adequadas à pacificação social e efetivação de direitos. O sistema multiportas de solução de conflitos, consagrado no ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo, constitui reflexo direto dessa transformação conceitual proposta por Cappelletti.

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