DIREITO CIVIL – Doutrina dos Atos Próprios como Postulado Normativo

O Código Civil de 2002 acolheu a doutrina dos atos próprios na qualidade de postulado normativo, instituto fundamental para a aplicação da boa-fé objetiva nas relações contratuais

A doutrina dos atos próprios ocupa posição singular no ordenamento jurídico brasileiro, tendo sido incorporada ao Código Civil de 2002 como postulado normativo. Postulado é compreendido como um princípio ou fato não provado ou demonstrado, porém considerado como óbvio, funcionando como pressuposto lógico para a aplicação de outras normas jurídicas.

Esta doutrina constitui princípio derivado da teoria da desconsideração da pessoa jurídica e estabelece que, caso uma das partes atue de determinada forma durante qualquer das fases do contrato, não será tolerável que posteriormente aja em total contradição com a sua própria conduta anterior. O instituto opera em duas vertentes complementares: em seu aspecto negativo, objetiva-se coibir atitudes contraditórias da parte integrante de determinada relação jurídica; já em seu aspecto positivo, exige-se um comportamento congruente, interpretando-se a palavra dada que está abrangida pela cláusula geral da boa-fé.

A distinção entre postulado e outras categorias normativas revela-se essencial para a adequada compreensão do instituto. Segundo Humberto Ávila, as regras são primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação exigem a avaliação da correspondência entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. A doutrina dos atos próprios, contudo, não se enquadra nesta categoria, pois não opera como regra de subsunção direta.

Tampouco se trata de princípio em sentido estrito. No âmbito jurídico, os princípios são normas fundantes e nucleares de um sistema, instrumentos de colmatação de lacunas, que representam um limite interpretativo da discricionariedade judicial. O princípio é começo, fundamento ou essência de algum fenômeno. A doutrina dos atos próprios, embora relacionada ao princípio da boa-fé, constitui postulado que orienta sua aplicação concreta.

Igualmente, não se confunde com preceito, que significa um comando ou proibição. A norma possui uma forma abstrata, com a especificação do fazer ou não fazer, tomando um comando em reação à conduta omissiva ou ofensa à conduta esperada. Também não se identifica simplesmente como norma em sentido amplo, visto que a norma é uma regra de conduta, e se for norma jurídica, será tida como uma regra de conduta imposta, admitida ou reconhecida pelo ordenamento.

A boa-fé pode atingir diretamente o componente obrigacional ampliando-lhe o conteúdo ou reduzindo-o. Em relação à redução da amplitude obrigacional, destacam-se institutos correlatos: a supressio, a surrectio, o venire contra factum proprium (teoria dos atos próprios) e o tu quoque. Todos estes institutos funcionam como desdobramentos operacionais do postulado da boa-fé objetiva, vedando comportamentos contraditórios e assegurando a proteção da confiança legítima nas relações jurídicas.

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