Aplicação da Lei Maria da Penha a Casais Homoafetivos, Inconstitucionalidade de Restrições à Doação de Sangue e Direito à Retificação de Registro Civil por Transgêneros
O Supremo Tribunal Federal tem consolidado importante jurisprudência na proteção de direitos fundamentais de grupos vulneráveis, especialmente no que concerne à população LGBTQIA+. Três decisões recentes merecem destaque pela relevância na aplicação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da vedação à discriminação.
Aplicação Analógica da Lei Maria da Penha a Casais Homoafetivos
No julgamento do Mandado de Injunção 7.452/DF, o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu o estado de mora constitucional do Congresso Nacional e, diante da omissão legislativa, decidiu pela possibilidade de aplicação analógica da Lei Maria da Penha a casais homoafetivos do sexo masculino. A extensão da proteção normativa, contudo, não é automática. O Tribunal estabeleceu como requisito essencial a presença de fatores contextuais de disparidade e subalternidade na relação, que coloquem a vítima em posição de vulnerabilidade similar àquela que justificou a edição da legislação protetiva.
Embora a Lei Maria da Penha tenha sido originalmente editada para proteger a mulher contra a violência doméstica e familiar, o STF reconheceu que sua aplicação é possível a casais homoafetivos do sexo masculino, desde que estejam presentes fatores contextuais que insiram a vítima em posição de subalternidade na relação, caracterizando situação de vulnerabilidade análoga àquela enfrentada pelas mulheres em contextos de violência de gênero. A decisão foi proferida no julgamento do MI 7.452/DF, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, em 24 de fevereiro de 2025, conforme Informativo 1167.
Inconstitucionalidade de Restrições à Doação de Sangue por Homens Homossexuais
Em maio de 2020, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.543, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais os atos normativos do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que impunham restrições à doação de sangue por homens que mantiveram relações sexuais homoafetivas nos doze meses anteriores à doação. A Corte entendeu que tais restrições configuram discriminação inconstitucional por orientação sexual, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. O critério relevante para a segurança dos bancos de sangue deve ser o comportamento de risco individual, e não a orientação sexual do doador, afastando-se estigmas e preconceitos desprovidos de fundamento científico.
Direito à Retificação de Registro Civil por Pessoas Transgênero
O Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido de que a pessoa transgênero possui direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil. Para o exercício desse direito, não se exige nada além da manifestação de vontade do indivíduo, que poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial quanto diretamente pela via administrativa, independentemente de cirurgia de redesignação sexual, tratamentos hormonais, laudos médicos ou psicológicos, ou qualquer outra condição.
A alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, sendo expressamente vedada a inclusão do termo “transgênero” no documento, de modo a preservar a intimidade e evitar constrangimentos ou discriminações futuras. O entendimento foi fixado em repercussão geral no julgamento do RE 670.422/RS, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, em 15 de agosto de 2018, conforme Informativo 911 do STF.
Referências:
- STF. Plenário. MI 7.452/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 24/02/2025 (Info 1167)
- STF. Plenário. ADI 5.543, julgado em maio de 2020
- STF. Plenário. RE 670.422/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/08/2018 (Repercussão Geral) (Info 911)

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